É uma verdade universalmente reconhecida que Jane Austen é a melhor escritora de todos os tempos.
Eu nunca canso de dizer que Jane Austen é minha escritora
preferida. Sempre que posso faço questão de mencioná-la por aqui e para todo
mundo que conheço, porque se tem uma autora que todo mundo deveria ler pelo
menos um livro uma vez na vida, com certeza é ela.
Antes de qualquer coisa, abandone todos os seus preconceitos
e qualquer coisa que você imagina sobre Jane Austen e seus livros se você
somente assistiu aos filmes.
Nem só de romance sobrevivem suas histórias e é por isso que
hoje, no dia do bicentenário de sua morte, seus livros continuam passando de geração em
geração, atravessando séculos e intrigando e conquistando homens e mulheres de
todas as idades, o que é mais que merecido dada a sua genialidade.
A pessoa, seja homem ou mulher, que não tem prazer em um bom romance, deve ser intoleravelmente estúpida. (A Abadia de Nothanger)
Considerada uma das maiores romancistas inglesas, nasceu em Steventon, Hampshire, no dia 16 de dezembro de 1775. Assim como seus personagens, viveu em uma zona rural da Inglaterra, em uma família de classe mais abastada e religiosa, filha do reverendo anglicano George Austen e de Cassandra Austen, sendo a segunda menina entre sete irmãos. Após passar um período em um colégio interno com sua irmã e melhor amiga Cassandra, já na adolescência demonstrou talento para a escrita e aos 17 anos escreveu sua primeira obra “Lady Susan”.
Desejo, como todos os mortais, ser perfeitamente feliz; mas, como todos os mortais, quero ser feliz à minha maneira. (Razão e Sensibilidade)
O romance “Orgulho e Preconceito”, sua obra mais conhecida,
foi o primeiro romance a ser escrito e tinha o nome original de “Primeiras
Impressões”, mas foi inicialmente rejeitado pelas editoras, levando-a a ser
desacreditada no mundo editorial. Somente após a publicação de “Razão e
Sensibilidade”, em 1811, sob o pseudônimo de “Uma Senhora”, é que foi publicado
“Orgulho e Preconceito”, em 1813, seguidos de Mansfield Park, em 1814, e Emma,
em 1816.
No ano de 1816, com 40 anos de idade, começou a sofrer os
efeitos de uma doença conhecida como Doença de Addison, cujo quadro foi
piorando em 1817. Nesse último ano iniciou o romance “The Brothers”, conhecido
atualmente como Sandition, concluindo apenas 11 capítulos e deixando o 12º
inacabado. Faleceu na Inglaterra, na cidade de Winchester no dia 18 de julho de
1817. Apenas um ano após, em 1818 foram publicados “Mansfield Park” e “A Abadia
de Northanger”.
São muito poucas pessoas que eu realmente amo, e ainda menos as que tenho em alta conta. Quanto mais conheço o mundo, mais insatisfeita fico com ele; todo dia confirma minha crença da inconsistência de todo caráter humano, e na pouca confiança que se pode ter na aparência tanto do mérito quanto da razão. (Orgulho e Preconceito)
Jane Austen foi uma mulher além do seu tempo e seus romances
são muito mais do que bailes e finais reluzentes e felizes, onde a mocinha
encontra seu grande amor e um casamento digno de contos de fadas.
Suas obras são complexas. A cada livro nos deparamos com
personagens muito bem desenvolvidos, tanto em suas qualidades quanto em seus
desvios de caráter. Temos mulheres fortes, inteligentes, confiantes e decididas
ocupando seus lugares em uma sociedade limitada, que lutam, de maneira não
convencional naquele período, para se livrar das amarras das convenções sociais
e imposições da época. Ao mesmo tempo temos um retrato detalhado dos conflitos
sociais e dos valores da sociedade na época, onde o dinheiro na maioria das
vezes pautava suas condutas e seus caráteres, e temos também a importância das
famílias e da amizade ressaltadas a cada livro, o que demonstra que Austen era
uma ótima observadora da sociedade que a cercava e buscou inserir inúmeras
reflexões em suas obras, trazendo até mesmo alguns ideais feministas
inexistentes na época.
A amizade é sem dúvida o melhor bálsamo para as dores do amor desapontado. (A Abadia de Northanger)
Ela tinha uma escrita muito característica que é até hoje
inigualável. Ninguém nunca conseguirá escrever da mesma forma. A maneira como
empregava diversos recursos linguísticos e fugia de alguns clichês da época
tornaram seus romances em únicos. Na época, sua escrita foi revolucionária ao
retratar um pouco do cotidiano da sociedade de uma maneira muito natural, mas
hoje sequer parece que seus livros foram escritos há cerca de 200 anos. Ela
escrevia sem medo de desagradar e sem se preocupar com o que poderiam pensar na
época. No período regencial em que viveu, chegava a ser ultrajante uma mulher
escrever livros e possuir uma renda advinda disso, sobretudo da forma como ela
escrevia.
A vaidade e o orgulho são coisas diferentes, embora as palavras são muitas vezes utilizados como sinônimos. Uma pessoa pode ser orgulhosa sem ser vaidosa. Orgulho se relaciona mais a nossa opinião de nós mesmos, a vaidade, o que teríamos que os outros pensam de nós. (Orgulho e Preconceito)
Ao mesmo tempo em que tem uma escrita repleta de sutilezas,
deixa bem claro seu olhar sagaz e um grande senso crítico sempre exercitado com
um humor refinado e irônico no que se refere ao ser humano, possuindo um
talento nato para a construção de personagens carismáticos e alguns também
odiados. Empregava livremente a ironia e o humor, de modo que sua escrita,
sempre repleta de muita sinceridade, refletia traços de sua personalidade.
Penso que ela devia ser uma pessoa muito divertida e extremamente agradável de
se conversar pelo que vemos de suas obras e das poucas cartas que restaram.
Devo ater-me a meu próprio estilo e seguir meu próprio caminho. E apesar de eu poder nunca mais ter sucesso deste modo, estou convencida de que falharia totalmente de qualquer outro. (Correspondência pessoal)
Jane Austen criou um universo muito rico com personagens
totalmente diferentes uns dos outros, e por incrível que pareça são todos igualmente
fascinantes, até mesmo os personagens secundários e os “vilões”. É de se
admirar a resiliência e a pureza de coração de Fanny Price, a ousadia,
inteligência e senso de humor de Elizabeth Bennet, o entusiasmo e a ingenuidade
de Catherine Morland, a sensibilidade e a determinação de Anne Eliot, a impetuosidade
e o zelo de Emma Woodhouse, o temperamento forte e apaixonado de Marienne
Dashwood e a calma e controle de Elinor Dashwood. Ah e não vou nem começar a
falar dos mocinhos porque aí o assunto se estenderá por muito tempo rs.
Não quero que as pessoas sejam muito gentis; pois tal poupa-me o trabalho de gostar muito delas. (Correspondência pessoal)
Se considerarmos tudo isso e que suas obras foram escritas
há mais de 200 anos, percebemos o quanto elas são universais e atemporais, pois
os temas não diferem muito do que vemos atualmente em nossa sociedade, e talvez
seja isso, aliado à inteligência e ironia de sua escrita, que continua atraindo
cada vez mais pessoas ao longo do tempo.
Apenas para ilustrar a atemporalidade de suas obras, deixo esse vídeo da super viciante websérie The Lizzie Bennet Diaries, inspirada em
Orgulho e Preconceito:
"O meu conceito de boa companhia, sr. Elliot, é estar acompanhada por pessoas inteligentes e bem informadas, que saibam conversar; é isso que chamo de boa companhia." (Persuasão)
Ler Jane Austen mudou e ainda vem mudando minha vida a cada
nova leitura. Sempre percebo coisas diferentes cada vez e dou mais valor a
algumas coisas do que a outras, sobretudo comparado à primeira vez que li, aos
15 anos. Mas sem dúvidas o que mais fascina nela é a sua coragem. Porque
imagina só: na época e na sociedade em que viveu, as mulheres não possuíam
direitos, escolhas e muito menos opiniões, e eram obrigadas a seguir o que lhes
era imposto, sendo sempre dependentes de sua família ou de seus maridos.
‘Eu acho’, Fanny começou, depois de refletir por alguns instantes, ‘que toda mulher deveria admitir a possibilidade de um homem não ser aceito, não ser amado por alguma mulher, por mais atraente que muitas o considerem. Ainda que ele tenha toda a perfeição do mundo, nenhuma mulher que por acaso lhe inspire afeição tem necessariamente de aceitá-lo. (Mansfield Park)
E em meio a tudo isso ela disse não a todas as imposições e
lutou contra todas as adversidades de sua escolha. Graças a isso temos 6 dos
melhores romances já escritos, isso sem contar os contos, obras inacabadas e
cartas. E isso se refletiu em suas obras, onde podemos vislumbrar um pouco de
seu caráter, de sua visão sobre o mundo, bem como a maneira decidida com que
exprimia suas opiniões. Assim como suas heroínas, recusava-se a casar sem que
houvesse amor, o que a levou a nunca se casar.
Qualquer coisa é preferível ou suportável a um casamento sem afeição. (Correspondência pessoal)
Com certeza é um legado maravilhoso. Uma pena que tenha
vivido tão pouco e que não tenha tido a oportunidade de contemplar a dimensão
de seu sucesso e a grande influência de suas obras, embora tenha sido uma das
primeiras escritoras a alcançar reconhecimento ainda em vida. Atualmente são
inúmeras adaptações tanto para o cinema quanto para a TV, chegando até mesmo no
universo das webséries, além de inúmeras releituras, livros inspirados, HQs e
menções a suas obras e seus devotados fãs pelo mundo possuem até mesmo um nome
próprio: Janeites (PS: a julgar pelo tamanho desse post, a quantidade de citações e pelas fotos que
ilustram esse post acredito que me enquadro nessa nomenclatura hahaha).
Afinal, como não se apaixonar por sua escrita, pela
sociedade descrita por ela, pelas maneiras e toda a cortesia que nos dias de
hoje são quase que inexistentes. Jane também era a mestre das cartas, tanto que
as inseriu em seus romances de uma maneira encantadora (leia-se apaixonante e
de derreter os corações, como a carta do Capitão Wentworth em Persuasão).
Metade do mundo não consegue compreender os prazeres da outra metade. (Emma)
Poderia ficar aqui falando muito mais, afinal há tanto para
se falar, mas vou encerrar por aqui com apenas uma recomendação: se ainda não o
fez, leia Jane Austen. Se deixe influenciar e levar pela sua escrita leve e
rica. Tenho certeza que irão se surpreender com seus livros e espero que fiquem
tão cativados quanto eu fiquei, há dez anos atrás, após ter lido “Orgulho e
Preconceito”, meu primeiro Austen, que virou meu livro preferido de todos os
tempos e que está acima de qualquer livro já escrito. Falando nisso, aproveito
para me despedir. Vou ali fazer uma caminhada pelos bosques de Pemberley e ver se encontro o
Mr. Darcy, até mais.
Nanda
Links externos:
0 comentários:
Postar um comentário