[Resenha] Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres - Clarice Lispector

Ler um livro da Clarice é sempre uma experiência muito sensitiva e emocionante. Com esse livro não foi diferente. Gosto tanto dele que resolvi incluí-lo na lista de releituras do ano.
Faz muito tempo que eu li esse livro, que foi meu primeiro Clarice. É um dos meus favoritos de todos os tempos e logo nas primeiras páginas me vi irrevogavelmente apaixonada por sua escrita e fascinada pela história de Lóri, que, em verdade, também é a história de todos nós. E o fascínio se repetiu nessa releitura.

Sou um monte intransponível no meu próprio caminho. Mas às vezes por uma palavra tua ou por uma palavra lida, de repente, tudo se esclarece.
É muito tocante a maneira como Clarice escolheu contar essa história. Durante a leitura mergulhamos de cabeça na atormentada mente de Lóri, uma mulher que se fechou para o mundo, sem amigos e que vive reclusa entre as paredes de seu apartamento, confrontando diariamente seus medos e anseios, mas sem ter coragem de se arriscar e viver. Seu único refúgio costuma ser seu trabalho como professora primária e seu apartamento.
A tragédia de viver existe sim e nós a sentimos. Mas isso não impede que tenhamos uma profunda aproximação da alegria com essa mesma vida.
Tudo muda quando conhece Ulisses, professor de filosofia, que se apaixona imediatamente por Lóri. Ele a aconselha e a instiga, fazendo-a enfrentar a dor e lidar com seus medos mais profundos, fazendo-a saltar os muros, antes intransponíveis, criados por si mesma. Além de tudo, Ulisses é aquele cara compreensivo, sábio e encantador, se dispondo a esperar o tempo que for por ela. Simplesmente perfeito demais.
Lóri: uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes e o próprio apesar de que nos empurra para a frente. Foi o apesar de que me deu uma angústia que insatisfeita foi a criadora de minha própria vida. Foi apesar de que parei na rua e fiquei olhando para você enquanto você esperava um táxi. E desde logo desejando você, esse teu corpo que nem sequer é bonito, mas é o corpo que eu quero. Mas quero inteira, com a alma também. Por isso, não faz mal que você não venha, esperarei quanto tempo for preciso.
Essa história não trata apenas de amor, mas de autoconhecimento. Acompanhamos Lóri em sua jornada de aprendizagens que a fazem crescer como pessoa, enquanto passa, aos poucos, a se abrir para novas experiências, abandonando seus medos e mergulhando de cabeça no profundo êxtase que essa entrega à vida proporciona.
Talvez um dos pontos mais curiosos e interessantes da história seja o fato de esta começar com uma vírgula e terminar com dois pontos. Com isso, a genial Clarice expõe a ideia de que a vida não é única, é repleta de novos capítulos e jornadas a serem exploradas por nós e que o final de cada um não representa o fim de tudo, mas apenas a abertura de novos caminhos a serem seguidos.
Lóri tinha medo de cair no abismo e segurava-se numa das mãos de Ulisses enquanto a outra mão de Ulisses empurrava-a para o abismo – em breve ela teria que soltar a mão menos forte do que a que a empurrava, e cair, a vida não é de se brincar porque em pleno dia se morre.
Esse livro é mais do que apenas uma história de aprendizagem. É poesia em prosa e é também um estudo da psique humana. Ele nos mostra o quanto as barreiras impostas por nós atrapalham nossas vidas, o quanto perdemos por simples medo de arriscar e o quanto a vida é bela e extraordinária em todas as suas nuances e nas coisas mais simples.
Em um primeiro momento a linguagem utilizada no livro pode parecer estranha e um tanto confusa, mas na medida que avançamos na história torna-se impossível não se comover com o drama enfrentado pela protagonista. Além do que, a história só melhora ainda mais a cada página.
De algum modo já aprendera que cada dia nunca era comum, era sempre extraordinário. E que a ela cabia sofrer o dia ou ter prazer nele. Ela queria o prazer do extraordinário que era tão simples de encontrar nas coisas comuns: não era necessário que a coisa fosse extraordinária para que nela se sentisse o extraordinário.
Nessa resenha tive que me controlar com as citações. São tantas frases e trechos imperdíveis que foi difícil escolher os melhores. Se você nunca leu nenhum livro da Clarice, acredito que este é um ótimo livro para começar. É o tipo de livro que merece ser lido e relido eternamente.

Nota: 1 milhão de estrelas
Nanda *-*

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